Carta de Ednarg

Caro Juarez,

Li a postagem sob o título "Xenofobia", na qual o colega repudia tal preconceito, que vitima a colega Fabíola.

Como afirmado na sua manifestação, o jornalista Décio Sá certamente não inventou a notícia. Contudo, a informação que lhe foi dada, sem dúvidas, é descabida.

Quem conhece Fabíola, tenho certeza, discorda da informação que chegou ao conhecimento do mencionado jornalista. Trata-se de uma valorosa colega, que tem se dedicado ao Ministério Público.

O fato de ter nascido em outro estado da federação, a meu sentir, somente releva o seu espírito de luta e a sua capacidade e coragem de buscar o novo. Sua atuação como Promotora de Justiça tem sido marcada por essas características e isto tem cativado a admiração e a amizade de diversas pessoas, entre as quais me incluo. Vejo-a, portanto, dedicada, combativa, comprometida, seja como Promotora de Justiça, seja no desempenho de suas funções na entidade de classe.

O equivocado ponto de vista que chegou ao conhecimento daquele jornalista, muito mais que materializar uma frágil tentativa de macular a imagem da colega, demonstra um desserviço à democracia por parte do informante, ao que parece anônimo .

Particularmente, penso que quando alguém se predispõe a liderar uma classe, é porque não está buscando satisfazer a vaidade ou um projeto individual, o que pretende mesmo é demonstrar a sua vontade de servir, de contribuir.

A nossa realidade não permite que tenhamos como líderes quem não tenha compromisso institucional e capacidade de sugerir e/ou implementar programas e ações, indispensáveis à superação dos obstáculos que o Ministério Público vem enfrentando.

Não há espaço para o egoísmo. Tempos difíceis são anunciados e, por isso devemos, juntos, construir pilares que suportem as crescentes investidas externas, exatamente daqueles que desejam um Ministério Público com atribuições reduzidas, com menos poder de atuação, enfim, sem garantias.

A realidade financeiro-orçamentária da Instituição, em todo o Brasil, tem criado barreiras cada vez maiores. A união e a comunhão de esforços, derivadas de um pensar coletivo, organizado e criterioso, podem ser importante aríete na superação desses obstáculos. Daí a necessidade da crítica e da própria divergência, naturais e, por vezes, indispensáveis, para que rumos possam ser redefinidos ou restabelecidos.

Mas tudo há de ocorrer em ambiente salutar, civilizado, no plano da discussão de idéias, aliás, como o colega já havia afirmado.

A AMPEM, por certo, tem importante papel nesse cenário. Mas não devemos perder de vista que ela não pertence a poucos ou a um grupo. Ela é de todos nós. Minar com inverdades a imagem de quem se dispõe a servir, com efeito, não é a maneira de divergir. Pode-se discordar ou divergir de outras formas, não somente pela discussão de idéias, mas também pelo voto, que é livre, secreto e soberano.

Que venham Fabíola, Pedro Lino, Justino ou qualquer outro indicado. Que apresentem suas idéias para que possamos conhecê-las. Que possamos votar com consciência e que nos respeitemos mutuamente.

Portanto, dirijo-me ao colega para dizer-lhe que atitudes como a sua, no artigo "Xenofobia", são necessárias. Muito mais quando, embora afirmando não integrar o grupo do presidente da AMPEM, teve a coragem e a nobreza de reconhecer em alguém daquele grupo as devidas qualidades. Esse proceder merece aplausos.

Quanto a mim, agradeço a lembrança de meu nome para uma boa discussão de idéias. Ninguém é candidato de si mesmo, assim como ninguém se elege ou administra sozinho.

Ao longo de quinze anos, tenho procurado contribuir para que nossa Instituição preste melhores serviços à sociedade. Minha vivência como Promotor de Justiça, somada à experiência que venho adquirindo por exercer função na Administração, têm me propiciado conhecer o Ministério Público de uma forma mais abrangente. Nesse lapso temporal, tenho procurado aprender ao máximo. Naturalmente, vivi momentos de alegria, angústia, decepção, surpresas. Algumas lições foram duras. A todas dou o devido valor. Percebi que a afirmação de Voltaire é verdadeira: "todas as riquezas do mundo não valem um bom amigo". Percebi, também, que bons amigos, amigos de verdade, são difíceis de encontrar, e que, às vezes, chamamos de amigas, pessoas que, na verdade, possuem apenas um vínculo frágil conosco. Já lembrava o escritor francês André Maurois, em carta que remeteu a uma amiga: "...o verdadeiro amigo é o que ficará sempre ao seu lado, não porque você esteja certa, mas porque, com ou sem razão, você é você, e ele. Se você tiver a sorte de encontrar esse amigo, seja ele homem ou mulher, apegue-se a ele com ganchos de aço, como diz Shakespeare, pois é insubstituível. Você não encontrará muitos assim na vida".

A educação que recebi de meus pais, que talvez desconheçam esta bela carta (Sobre o valor de uma grande amizade - por André Maurois), me fez ser assim. Por isso, muito mais valor, para mim, tem a defesa que você fez da Fabíola. Talvez tenha demonstrado a ela um apreço maior do que o de pessoas que lhe são mais próximas.

Nas artes marciais, pode até parecer um paradoxo, aprendi que diante de um combate inevitável, deve-se dar valor ao adversário e honrá-lo. O mundo de hoje dá exemplos diários do contrário, e o distanciamento dos antigos ensinamentos já fragiliza, até nas artes marciais, esses valores.

Logo, é importante reconhecer a necessidade da discussão de idéias e, mesmo diante da divergência, dar o valor devido às qualidades de quem as tem.

Encaminho, também à colega Fabíola, cópia dessa mensagem.

Parabéns pela sua iniciativa.

Forte abraço.

Ednarg.

P.S. "Escrevo-vos uma longa carta porque não tenho tempo de a escrever breve" (Voltaire).