Excelentíssimo Senhor Presidente do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Maranhão.
Processo n° 1207CS/2007
José Márcio Maia Alves, brasileiro, casado, Promotor de Justiça de 2ª entrância, titular da Promotoria de Justiça de Alto Parnaíba, vem perante V. Exa. propor Questão de Ordem a subsidiar o seu pedido de remoção (processo n° 1207CS/2007) para a Promotoria de Justiça de Barreirinhas, também de 2ª entrância, tendo a expor e requerer o seguinte:
O requerente é titular da Promotoria de Alto Parnaíba, de 2ª entrância, para a qual foi promovido segundo o critério de merecimento e onde está no exercício das suas atribuições desde o dia 22 de maio de 2007. Nos termos do Edital n° 97/2007-CSMP, inscreveu-se para remoção à Promotoria de Justiça de Barreirinhas, também segunda entrância.
Ocorre que ao referido pedido opõe-se óbice legal no âmbito da lei de organização do Ministério Público do Maranhão (LC n° 13/91), bem como regimental, do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público maranhense no sentido de somente admitir remoções a pedido de Promotores de Justiça que contarem com pelo menos um ano de exercício na Promotoria de origem (Lei Complementar Estadual n° 13/91, art. 87, I e Regimento Interno do CSMP, art. 34, caput,).
Contudo, com o objetivo de demonstrar a inconstitucionalidade por não-recepção desses dispositivos, sobretudo em vista da nova redação que a Emenda Constitucional n° 45/2005 deu ao art. 93, inc. VIII-A da Constituição Federal, e, com isso, admitir a aferição da antiguidade ou do merecimento para efeitos da remoção requerida para a Promotoria de Barreirinhas, o requerente propõe a presente Questão de Ordem nos autos do processo n° 1207CS/2007 com base nos argumentos que se seguem:
1. Situando a controvérsia
Antes do advento da emenda constitucional n° 45/2004, a Constituição Federal impôs um silêncio solene no que cingia aos critérios para a remoção de membros da magistratura e do Ministério Público (paridade de tratamento inserta na CF, art. 129, §4°).
Com efeito, por mais de quinze anos, a movimentação horizontal nessas carreiras habitou um vácuo constitucional atípico para um texto materialmente prolixo como é o da Carta de 1988, pois, em que pese o texto constitucional pretérito à EC 45/2004 ter tratado exaustivamente de critérios para promoção por antiguidade e merecimento (art. 93 derrogado), somente tratou da remoção para prever critérios que a efetivassem “por interesse público” (art. 93, VIII), nunca a título de movimentação horizontal voluntária. Esta aferição ficou reservada, então, ao legislador infraconstitucional.
O Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal n° 75/1993) manteve o silêncio sobre o instituto da remoção. Já a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n° 8.625/93) em seu art. 64, dele tratou de forma mais detalhada no que tange à modalidade “permuta”, impingindo alguns critérios aos seus pretendentes, dentre eles, o de somente poderem renová-la após o decurso de dois anos da remoção por permuta anterior.
Nesse contexto de carência de regulamentação, válida foi a iniciativa do legislador estadual maranhense que, à luz de projeto de lei complementar de iniciativa do Ministério Público Estadual, tratou exaustivamente da remoção, prevendo, inclusive, uma espécie de período aquisitivo do direito à movimentação horizontal ao membro interessado do Parquet maranhense. Dentre outros, veja-se o que diz o dispositivo pontual da controvérsia que ora se propõe:
Art. 87. A remoção é vedada ao membro do Ministério Público:
I – com menos de 1 (um) ano de exercício na Promotoria de Justiça;
II – com menos de dois anos de efetivo exercício na Promotoria de Justiça, em caso de renovação de permuta, salvo se o cargo a ser permutado se localizar na mesma comarca;
[...] (sem destaques no original)
Pela dicção do dispositivo em destaque, os Promotores de Justiça que tivessem sido promovidos não poderiam pleitear remoção em prazo inferior a um ano de exercício na sua nova Promotoria de Justiça, salvo se a Promotoria para a qual desejassem ser removidos compusesse a mesma comarca da de origem. O art. 34, caput, do Regimento Interno do Ministério Público do Maranhão reproduziu essa regra prevista na LC 13/91.
Sucedeu, porém, que o texto constitucional sofreu significativas alterações nessa matéria. Atualmente, com a edição da Emenda Constitucional n° 45/2004, ex vi do disposto no art. 93, VIII-A, as remoções devem obedecer aos mesmos critérios das promoções, não tendo o legislador constitucional imposto qualquer prazo para a movimentação horizontal por antiguidade. Já para as remoções segundo critério de merecimento, impôs o prazo de 2 anos de exercício na respectiva entrância e integrar o Promotor de Justiça a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, [e fez a ressalva] salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago. Vale reproduzir os textos que interessam ao debate:
Art. 93. Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
[...]
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo de não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
[...]
d) a apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;
[...]
VIII-A – a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b, c e e do incido II.
[...]
Art. 129. [omissis]
§4° Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. (sem destaques no original)
À luz do novo dispositivo constitucional, o que se denota, então, é que a Constituição desautorizou a imposição legal e regimental do Ministério Público maranhense, do interstício de 1 ano de exercício na Promotoria de Justiça de origem para que o seu titular seja removido. Ao contrário, somente para o critério de merecimento, impôs prazo até maior, de 2 anos na entrância, além de o interessado ter que figurar na primeira quinta parte da lista de antiguidade respectiva. Contudo, fez a ressalva de que não havendo ninguém com esses requisitos que aceite a vaga, as remoções, assim como as promoções, abrir-se-ão sem restrições aos que não os ostentem.
Assim, incursionando por uma hermenêutica mesmo que perfunctória desse dispositivo, já se vê que, no caso concreto, a apreciação da pretensão de remoção do Promotor de Justiça de Alto Parnaíba, (há 6 meses na entrância) para a Promotoria de Barreirinhas, ambas de 2ª entrância, não deve encontrar óbice constitucionalmente válido se não houver nenhum interessado nessa mesma movimentação horizontal que conte com os dois requisitos constitucionais elencados na primeira parte da alínea “b”, do inc. II, do art. 93.
2. A possibilidade de remoção nos termos da parte final da alínea “b”, do inc. II, do art. 93, da Constituição. Inconstitucionalidade do art. 87, I da LC 13/91 e do art. 34, caput, do RICSMP por subsunção entre regras e em razão de interpretação sistemática e teleológica operada à luz de princípios constitucionais instrumentais. Precedentes do Conselho Superior do Ministério Público (CNMP) e do Supremo Tribunal Federal.
Induvidosamente, o ponto de estrangulamento da discussão que se propõe é saber se a norma do art. 87, I, da LC 13/91 se sustenta constitucionalmente diante da nova redação dada ao art. 93 da Constituição pela EC n° 45/2004 acerca dos critérios de movimentação horizontal na carreira do Ministério Público.
Para essa aferição, não há como se propor um exercício lúcido de interpretação do texto constitucional sem se reconhecer o fato de que em torno dessa discussão gravitam, num primeiro plano, uma imperiosa eficácia positiva ou simétrica1 da regra contida no art. 93, incisos II e VIII-A da Constituição e, num segundo, uma orientação pela inconstitucionalidade do dispositivo questionado sugerida por uma interpretação sistemática e teleológica com base em princípios constitucionais instrumentais.
À nova hermenêutica constitucional tem-se dado contornos de um sistema aberto de princípios e regras em que as idéias de justiça e implementação dos direitos humanos desempenham um papel fundamental. Nessa esteira, o poder normativo dos princípios tem assumido um papel importante no exercício de uma interpretação sob o viés da ponderação de interesses tutelados postos ao exame de prevalência constitucional. À luz de um novo paradigma de interpretação, eles funcionam como mandados de otimização na medida em que pretendem ser realizados da forma mais ampla possível sem deixar de admitir uma aplicação mais ou menos intensa, de acordo com as possibilidades jurídicas existentes no caso concreto2.
Por outro lado, o exercício de interpretação acerca das normas-regras deve tomá-las como mandados de definição. Isso significa dizer que as regras constitucionais definem uma situação jurídica e, por isso, a interpretação dos casos concretos que nelas se fundam, ao contrário dos princípios, não admite gradação otimizada simultânea entre normas conflitantes. É que as regras têm natureza biunívoca, isto é, só admitem duas espécies de situação, dado seu substrato fático típico: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Uma regra vale ou não juridicamente3.
Aqui repousa a base teórica da primeira reflexão acerca da inconstitucionalidade material do art. 87, inc. I da LC 13/91, bem como do art... do Regimento Interno do CSMP:
O art. 93, inc. VIII-A da Constituição, com redação dada pela EC 45/2004, estendeu à aferição das remoções por merecimento os mesmos critérios elencados nas alíneas “a”, “b”, “c” e “e”, do inc. II daquele mesmo artigo, usados para a aferição das promoções.
No que toca à inconstitucionalidade que ora se evoca, diz a alínea “b” que os candidatos à movimentação por merecimento deverão contar com 2 anos de exercício na entrância e ocupar a primeira quinta parte da lista respectiva de antiguidade. E aí faz uma ressalva: “salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago”.
Essa última frase significa dizer que agora, também para as remoções, os Promotores de Justiça que não contarem com os requisitos ali exigidos na primeira parte do dispositivo poderão concorrer em igualdade de chances com outros que da mesma forma não os tenham, caso não haja candidato inscrito que os ostente. Se houver, a remoção recairá sobre este obrigatoriamente uma vez reconhecida a objetividade do seu merecimento.
O que se vê é que a Emenda Constitucional n° 45/2004 impôs uma norma-regra em que exaure todas as exigências para que um Promotor de Justiça seja removido por merecimento, não sendo autorizado ao legislador infraconstitucional exigir outras que subvertam as constitucionalmente eleitas. Em outras palavras, se a Constituição exigiu o interregno de 2 anos na entrância e a ocupação da primeira quinta parte da lista de antiguidade como requisitos à remoção por merecimento e fez a ressalva de que, desde que não concorram com quem atenda a essas condições, aos que não as atendam pode ser oportunizado o acesso à movimentação horizontal, não poderá mais o legislador estadual maranhense impor nessa situação requisito estranho aos do texto constitucional, a saber, o interstício de 1 ano de exercício na Promotoria de Justiça, como condição para a movimentação nos termos da ressalva final do art. 93, inc. II, “b” da Constituição.
O enfrentamento da matéria aqui é regido pela eficácia simétrica da regra constitucionalmente prevista e sua aplicação dá-se eminentemente segundo um movimento de subsunção4, ou seja, o âmbito de validade da norma-regra que não exige o interstício de 2 anos para o caso de só concorrer à remoção quem não conte com esse tempo de exercício na entrância, afasta a validade de uma regra infraconstitucional ou até constitucional pretérita (se fosse o caso) que exija o interstício de 1 ano de exercício na Promotoria de Justiça de origem.
O mesmo raciocínio se impõe para os casos de remoções segundo o critério de antiguidade, pois, tendo a Constituição Federal instituído igualdade de critérios para a aferição de remoções e promoções, não pode uma lei infraconstitucional exigir mais do que o próprio texto constitucional exigiu para que a movimentação horizontal se efetive por esse critério. Com efeito, o art. 93, em seu inc. II, alínea “d” previu, mutatis mutandis, a única possibilidade de o CSMP recusar a promoção (entenda-se remoção) por antiguidade, que é a hipótese de o Promotor de Justiça ser “recusado pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio e assegurada a ampla defesa”.
Ademais, a pecha de inconstitucionalidade do aludido dispositivo da LC 13/91, que é reproduzido do Regimento Interno do CSMP, também exsurge diante de uma interpretação sistemática e teleológica do art. 93 da Constituição arrimada nos princípios instrumentais da efetividade e da supremacia da Constituição. Veja-se:
Os critérios para se admitir a concorrência às promoções por merecimento, elencados na alínea “b”, inc. II, do art. 93, visam acessibilizar a disputa sempre os membros mais antigos na carreira, pois lhes prioriza a movimentação vertical em uma escala sucessiva e decrescente, ou seja, primeiro aos que, cumulativamente, ocupam a primeira quinta parte da lista de antiguidade e que contem com pelo menos dois anos na entrância, depois, com igual peso, aos que não contem cumulativamente com esses dois requisitos [esse o sentido da expressão “salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago”]. Quanto ao critério de antiguidade, essa conclusão é lógica: é promovido sempre o mais antigo dentre os inscritos. Essa a lógica e o objetivo do sistema de movimentação vertical.
Ocorre que o constituinte não restringiu aos membros mais antigos e experimentados somente a prioridade às comarcas de grau mais elevado (que são galgadas pela via da promoção), mas também às melhores comarcas no mesmo estágio da carreira. Esse o caráter teleológico, v.g., do inc. VIII-A do art. 93 da Constituição, que atribui às remoções os mesmos critérios das promoções insertos no inc. II, dentre eles o da alínea “b”. Daí, afrontaria sobremaneira esse fim admitir-se que uma comarca que fosse de interesse de Promotores que já estivessem na entrância (e por isso, de qualquer forma, fossem mais antigos em relação aos que estivessem na entrância inferior) abrisse para promoção sem que lhes fosse oportunizada a movimentação horizontal, frise-se, primeiro aos que contassem com 2 anos de exercício e estivessem na primeira quinta parte da lista de antiguidade respectiva e, depois, aos que, embora não contassem com esses requisitos, já estivessem na entrância por qualquer tempo.
Concretamente, vale expor o contra-senso que o art. 87, inc. I da LC 13/91 impõe ao caso concreto em exame: afrontaria a autoridade da antiguidade o fato de, não havendo interessado que conte com 2 anos de exercício na 2ª entrância e que ocupe a primeira quinta parte da lista de antiguidade respectiva, acessibilizar por promoção uma Promotoria como a de Barreirinhas (a 230km da Capital) para membros que figurem na primeira entrância sem antes oportunizá-la, pela via da remoção, a membro mais antigo na entrância superior, titular de comarca longínqua como é a de Alto Parnaíba (a 1.200km da Capital) e que já conta com 6 meses de exercício nesse estágio da carreira.
Admitir isso seria subverter o princípio instrumental da efetividade quanto ao art. 93, incisos VIII-A e II, “d”, além de significar ver-se o sistema jurídico pelo avesso, em que uma norma infraconstitucional que impõe um interstício de 1 ano de exercício na Promotoria como condição à remoção (LC 13/91, art. 87, I) valeria mais do que a norma constitucional que assevera expressamente que quando não houver interessados com pelo menos 2 anos de exercício na entrância e que constem no primeiro quinto da lista de antiguidade, a remoção será oportunizada a quem já esteja na entrância mesmo que não conte com esses requisitos (CF, art. 93, II, “b”, parte final).
Raciocínio correlato a esse foi vitorioso no julgamento do procedimento de controle administrativo n° 0.00.0000.000057/2006-11 perante o Egrégio Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Naquele procedimento o art. 4° do Provimento n° 03/2006 do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, que, da mesma forma que a LC 13/91 maranhense, estabelecia a exigência de interstício de 1 ano de exercício na Promotoria de Justiça para que o membro do Parquet gaúcho pudesse remover-se, foi, em abstrato, submetido à aferição de constitucionalidade à luz do art. 93 da Constituição Federal. A decisão foi pela supressão do dispositivo do Provimento, dentre outros, mediante o seguinte argumento:
“Ora, imaginemos o promotor com dez anos de carreira, que tenha sido removido, há seis meses, para nova promotoria. Sendo o mais antigo, estaria preterido por colega com oito anos de carreira e dois anos na mesma promotoria? Impõe-se resposta negativa. Mas o provimento ora sob exame autoriza que tal ocorra. Por outro lado, a Lei n° 8.625/93, no art. 61, II, determina que a apuração da antiguidade dar-se-á na entrância. Parece-me que a previsão de interstício na promotoria impede a correta aplicação da lei.
O mesmo deve ser dito em relação à remoção por merecimento. Não faz sentido a fixação do requisito de permanência por um ano na mesma promotoria. O que poderia exigir o Provimento seria o exercício por dois anos na entrância, mesmo para a remoção por merecimento, nos termos dos incisos VIII-A e II, b, do art. 93.” (sem destaques no original)
Na dicção desse trecho vê-se claramente a reverência à antiguidade na entrância. E ainda mais quando, conclusivamente, agregando-o à digressão feita, o eminente relator expôs o fundamento principal do seu voto vencedor para afastar a exigência do interstício de 1 ano como condição à movimentação horizontal na carreira do Ministério Público gaúcho. Verbis:
“O inciso II do art. 93 da Carta Magna não estabelece interstício de exercício na entrância para a promoção por antiguidade. A orientação é evidente: o mais antigo há de ser promovido, salvo recusa da Corte, nos termos da alínea “d” do mesmo inciso. A mesma orientação deve ser seguida na remoção por antiguidade. Mas o art. 4° do Provimento acrescenta requisito não previsto na Constituição da República. Exige que o interessado na remoção por antiguidade conte com, pelo menos, um ano de exercício na mesma Promotoria de Justiça.” (sem destaques no original)
Ao afastar a exigência de 1 ano de exercício na Promotoria de Justiça como condição para movimentação horizontal, o CNMP contemplou o princípio da efetividade das normas constitucionais5, posto que, a despeito da expressão “no que couber” existente no art. 93, inc, VIII-A, estendeu às remoções todos os critérios afetos às promoções que não ferissem direitos subjetivos e que convergissem com o interesse público. Com efeito, a não-exigência de permanência mínima de 1 ano na comarca jamais significaria solução de continuidade nos serviços ministeriais, porquanto o Ministério Público é instituição una e indivisível e, em razão disso, o Promotor de Justiça que substituísse pela via da promoção o colega removido, daria continuidade ao trabalho. E mais: poder ser removido com menos de 1 ano na Promotoria de origem não significa efetivamente ser removido, pois quando o órgão do Ministério Público é promovido, passa a ocupar o final da lista de antiguidade da entrância superior, o que dificulta a consagração do seu merecimento e a imposição de sua antiguidade diante de colegas do mesmo patamar que podem ter melhor trabalho na carreira e que, certamente, serão mais antigos.
Com sua decisão, o CNMP consagrou também o princípio da supremacia da Constituição6 na medida em que reconheceu a incompatibilidade do art. 4°, do Provimento n° 03/2006 do Ministério Público do Rio Grande do Sul (que exigia o interstício de 1 ano na Promotoria como condição para remoção) com a melhor interpretação do art. 93 da Constituição Federal, sobretudo após a nova redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n° 45/2004.
Vale mencionar que essa decisão do CNMP foi submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de segurança (processo n° MS/26020) impetrado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, cujo enfrentamento pelo Pretório Excelso não tem sido diferente do laborado pelo Conselho. Em 10/07/2006 a Ministra Presidente do STF negou pedido de liminar que clamava pelo restabelecimento da validade do dispositivo do Provimento do Parquet gaúcho, nos seguintes termos:
“Considero relevante, numa análise prefacial, o fundamento da decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (fls. 43-50) no sentido de que o art. 4° do Provimento 03/2006-PGJRS, aqui impugnado, teria acrescido, para fins de promoção, requisito não previsto na Constituição Federal (art. 93, II e alíneas; VIII-A c/c art. 129, §4°). [...]
O mesmo deve ser dito em relação à remoção por merecimento. Não faz sentido a fixação do requisito de permanência por um ano na mesma promotoria. O que poderia exigir o Provimento seria o exercício por dois anos na entrância, mesmo para a remoção por merecimento, nos termos dos incisos VIII-A e II, b, do art. 93.
Não se encontra preenchido, pois, o requisito da fumaça do bom direito.
Ante o exposto, indefiro a liminar.” (sem destaques no original)
O mandamus foi distribuído ao Ministro-Relator Joaquim Barbosa que não reviu o entendimento da colega, já contando o processo com parecer da lavra de S. Exa. o Procurador-Geral da República, pela denegação da ordem, nos seguintes termos:
“[...] sabendo-se que, na presente hipótese, o direito alegado como violado não está expresso em norma legal, segundo informa o próprio reclamante, quando alega, em suas razões, que a regra imposta pelo art. 4° do Provimento n° 03/2006 não encontra previsão expressa na legislação federal, não há que se falar em direito líquido e certo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul a ser amparado pelo presente mandamus.
Ressalte-se que o ato impugnado não é ilegal, haja vista ter sido exarado no âmbito da competência do CNMP, e sequer ofensivo a direito coletivo dos membros do Ministério Público Estadual, uma vez que, ao suprimir o art. 4° do Provimento n° 03/2006, a autoridade coatora velou por um interesse maior – de toda a categoria –, onde se pretendeu coibir, por ocasião de futuras remoções por antiguidade e merecimento, as situações narradas às fls. 26/28.
Importante também frisar que o inc. II, do art. 93, da CF/88, a ser observado pelo Ministério Público (§4°, art. 129, CF/88), não estabeleceu interstício de exercício na entrância para a promoção por antiguidade; orientação esta que deve ser seguida também na remoção por antiguidade.
Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, forçoso reconhecer a ausência de direito líquido e certo a ensejar o acolhimento do presente pleito. Assim, opino pela denegação da segurança requerida.” (sem destaques no original)
Ao que se vê, portanto, a questão parece dirimida no âmbito do Conselho Nacional do Mistério Público, bem como já se lhe agregam contornos que indicam a manutenção da decisão daquele colegiado perante o Supremo Tribunal Federal.
3. Do Pedido
Diante de todo o exposto, entende-se que a regra exposta no art. 87, inciso I, da Lei Complementar Estadual n° 13/91, que foi reproduzida no art. 34, caput, do Regimento Interno do Conselho Superior do Ministério Público do Maranhão, é inconstitucional diante do art. 93, da Constituição Federal, sobretudo após a redação que a Emenda Constitucional n° 45/2004 deu ao inc. VIII-A daquele dispositivo.
Com base nesse entendimento, então, requer-se a esse E. CSMP:
1) que declare a inconstitucionalidade incidental do art. 87, inciso I, da Lei Complementar Estadual n° 13/91, bem como do art. 34, caput, do Regimento Interno do Conselho Superior do Ministério Público do Maranhão, em face do art. 93, incisos II, “b” e “d” e inciso VIII-A c/c art. 129, §4°, todos da Constituição Federal, para conhecer e apreciar o pedido de remoção do requerente pelo critério de antiguidade, nos termos em que requerido no processo n° 1207CS/2007;
2) que, em caso de alternância do critério de remoção exarado no Edital n° 97/3007-CSMP por força do disposto no art. 33, §2°, do RICSMP, aprecie o pedido de remoção pelo critério de merecimento, tendo em vista ter constado de forma subsidiária no pedido de inscrição acostado ao processo n° 1207CS/2007 o preenchimento dos requisitos de inscrição para movimentação na carreira segundo esse outro critério.
De Alto Parnaíba para São Luís, em 26 de novembro de 2007.
José Márcio Maia Alves
Promotor de Justiça de Alto Parnaíba
Documentos anexados:
1) cópia de texto parcial da Lei Complementar Estadual n° 13/91 (art. 87, inc. I);
2) cópia do texto parcial do Regimento Interno do CSMP/MA (art. 34, caput,);
3) voto-condutor do Relator Hugo Cavalcanti Melo Filho (CNMP) nos autos do procedimento de controle administrativo n° 0.00.0000.000057/2006-11;
4) extrato de movimentação do MS/26020-STF em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul questiona a decisão do CNMP exarada no PCA supra referido;
5) decisão monocrática da Ministra-Presidente do STF indeferindo a liminar requerida no MS/26020-STF;
6) Parecer do Procurador-Geral da República nos autos do MS/26020-STF, pela denegação da ordem.
Obs: a lista de antiguidade da 2ª entrância do Ministério Público do Maranhão, que atesta o exercício na entrância do requerente desde 22 de maio de 2007, consta nos arquivos desse E. Conselho e sua juntada ao presente pedido não foi possível em razão de problemas no site da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão.
1 Segundo Luís Roberto Barroso, em sua obra Interpretação e aplicação da Constituição (Saraiva: 2004), eficácia positiva ou simétrica é o nome pelo qual se convencionou designar a eficácia associada à maioria das regras. Seu objetivo é reconhecer àquele que seria o beneficiado pela norma, ou simplesmente àquele que deveria ser atingido pela realização de seus efeitos, direito subjetivo a esses efeitos, de modo que seja possível obter a tutela específica da situação contemplada no texto legal. Ou seja: se os efeitos pretendidos pelo princípio constitucional [e principalmente pela norma-regra] não ocorrerem – tenha a norma sido violada por ação ou omissão –, a eficácia positiva ou simétrica pretende assegurar ao interessado a possibilidade de exigi-los diretamente, na via judicial se necessário (p.337).
2 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 81 e s.
3 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Ed. Saraiva. São Paulo:2004. p. 329.
4 Luís Roberto Barroso ensina que em casos como esse “o comando é objetivo e não dá margem a elaborações mais sofisticadas acerca de sua incidência. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção”. (Aplicação e interpretação da Constituição. Ed. Saraiva. São Paulo: 2004. p.328)
5 Acerca do princípio da efetividade das normas constitucionais assinala Miguel Reale: “Diz ele respeito ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma sociedade, ao ‘reconhecimento’ do direito pela comunidade ou, mais particularizadamente, aos efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento. Cuida-se, aqui, da concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos”(Lições preliminares de direito, 1973, p. 135).
E, ainda, na lição de Luís Roberto Barroso: “a efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, ob. cit. p. 248).
6 Segundo esse princípio, “as leis, atos normativos e atos jurídicos em geral não poderão existir validamente se incompatíveis com alguma norma constitucional. [...] É por força da supremacia da Constituição que o intérprete pode deixar de aplicar uma norma inconstitucional a um caso concreto que lhe caiba apreciar – controle incidental de constitucionalidade – ou o Supremo Tribunal Federal pode paralisar a eficácia, com caráter erga omnes, de uma norma incompatível com o sistema constitucional” (BARROSO, ob. cit. p. 370/371).