Ação Direta de Inconstitucionalidade 3997-1


EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL





O Procurador-Geral da República, com fundamento nos artigos 102, I, “a”, e 103, VI, da Constituição da República, vem perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, em impugnação ao art. 6º, § 2º, da Lei Complementar 14, de 17 de dezembro de 1991, do Estado do Maranhão, que compõe o Código de Divisão e Organização Judiciárias daquela unidade da Federação, na redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei Complementar 104, de 26 de dezembro de 2006, assim como ao art. 77, §§ 1º e 2º, da LC 14/91, na leitura que lhe dá o art. 1º da LC 104/2006, a ao art. 4º, §§ 1º e 2º da LC 104/2006.

2. O primeiro dispositivo impugnado, após a alteração realizada em 2006, ganhou a seguinte redação:

“Artigo 6º. O território do Estado, para os efeitos da administração da Justiça Comum, divide-se em comarcas, termos judiciários e zonas judiciárias.

...

§ 2º. As comarcas, divididas em três entrâncias, inicial, intermediária e final, serão classificadas pelo Tribunal de Justiça, por maioria absoluta de seus membros, através de resolução.”

3. Ao fim e ao cabo, a previsão admite a definição das comarcas, ou ao menos de suas classificações de entrâncias, para todos os efeitos funcionais decorrentes, por intermédio de resolução.

4. Parte significativa da organização e da divisão judiciárias, nesses moldes, está alijada do necessário processo legislativo, passo que se pões necessário, no entanto, em vista da disposição do art. 96, II, “d”, da Constituição da República, de seguinte conteúdo:

“Artigo 96. Compete privativamente:

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no artigo 169:

...

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;”

5. E a compreensão, não fosse imediatamente perceptível da letra clara da Lei Fundamental, foi já explicitada em julgados da Corte Suprema, que, sem hesitação, teve em voto do Ministro NELSON JOBIM ilustrada essa perspectiva, quanto então Sua Excelência assim se expressou: “...somente o Poder Legislativo, por iniciativa do órgão do Poder Judiciário, tem competência privativa para legislar sobre a criação e a extinção de cargos, bem assim a organização judiciária (art. 96, II, b, da CF)” (ADI 857, DJ de 13/6/2003, p. 7, grifo somado ao original).

6. Lembrança muito oportuna é feita em voto proferido pelo Ministro SIDNEY SANCHES na ADI 2.700, por ocasião do exame do pedido de medida liminar. Então foi rememorado que o projeto de lei complementar do Estatuto da Magistratura tratou especificamente do tema, remetendo ao conceito de “organização judiciária” também a classificação que seja dada aos órgãos de primeiro grau. O voto do relator consigna a letra do § 3º do art. 3º do referido projeto de lei, e recupera a indicação de que a organização judiciária compreende, no inciso II, a “constituição, calssificação, atribuições e competências dos órgãos singulares ou colegiados de primeiro grau” (DJ de 7/3/2003, p. 33)

7. Não há como deixar de referir, ainda, que a classificação das comarcas em entrâncias possui vinculação com o desenvolvimento da carreira dos magistrados. Compõe escalonamento de organização que, em suma, reflete na progressão dos titulares. Há ligação, portanto, com as figuras de promoção dos membros do Poder Judiciário, o que, vez mais, anuncia a relevância da matéria, assim como sua relação com a organização judiciária, a exigir a intermediação legislativa, em legitimação dos procedimentos administrativos do Tribunal de Justiça maranhense.

8. Por arrastamento, é de se propor a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, §§ 1º e 2º, da LC 104/2006. São regras que imprimem eficácia à sistemática tratada no art. 1º.

9. Finalmente, em referência aos §§ 1º e 2º do art. 77 da LC 14/91, na redação que lhes deu o art. 1º da LC 104/2006, detecta-se violação ao art. 37, X e XIII, da Constituição da República. As proposições normativas admitem que os subsídios dos magistrados estejam, desde logo, atrelados aos vencimentos percebidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao fixar correspondência em percentual do subsídio mensal dos ministros da Corte Suprema, as previsões maranhenses colocam parâmetro de observância obrigatória, que gera a perspectiva de imediata alteração salarial de toda a magistratura estadual, ligada ao acréscimo dos valores pagos aos paradigmas indicados.

10. Comportamento dessa ordem, além de promover vinculação rechaçada pela Lei Fundamental (CRF, ar. 37, XIII), nega a regra de que, a fixação e a alteração da remuneração dos servidores públicos deva ser veiculada por lei específica (CRF, art. 37, X).

11. Há um dado que torna oportuna a formulação de medida liminar. A nova classificação das comarcas, sob os moldes da legislação impugnada, tem sua eficácia suspensa até 1º de janeiro de 2008. A partir dessa data, as alterações estarão em pleno vigor, conforme destaca o art. 4º da LC 104/2006. O tumulto administrativo e funcional eminente (bem evidenciado nos materiais de cunho jornalístico juntados ao procedimento administrativo que deu ensejo ao ajuizamento desta) é razão pêra se formular, sob o enfoque do requisito do periculum in mora, a concessão de medida liminar, com a qual se obtenha a suspensão da eficácia do art. 6º, § 2º, da LC 14/91, na letra que lhe deu o art. 1º da LC 104/2006.

12. A suspensão da eficácia das normas atacadas, por demonstrados a plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris) e o risco de aguardar-se conclusiva posição da Corte (periculum in mora), é medida que se impõe, pelo que cabe formular, com todo o zelo e cuidado, o pedido de provimento cautelar, em juízo liminar. É o que se pede (art. 10 da Lei 9.868/99 e no art. 170, §§ 1º e 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

13. Em desfecho, e pelas razões apresentadas, é de se pleitear, em julgamento definitivo de mérito, a declaração de inconstitucionalidade do art. 6º, § 2º, da Lei Complementar 14, de 17 de dezembro de 1991, do Estado do Maranhão, na redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei Complementar 104, de 26 de dezembro de 2006; assim como do art. 77, §§ 1º e 2º, da LC 14/91, na leitura que lhe dá o art. 1º da LC 104/2006; e do art. 4º, §§ 1º e 2º, da LC 104/2006, tudo pelos fundamentos deduzidos no corpo desta inicial.

14. Por fim, é de se requerer, colhidas as informações necessárias e ouvido o Advogado-Geral da União, seja determinada a abertura de vista dos autos à Procuradoria Geral da República para manifestação, pedindo sejam julgados procedentes os pedidos formulados.

Pede deferimento.

Brasília, 14 de dezembro de 2007.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA